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Filme “O País de São Saruê” destaca Sousa; Ex-governador Mariz participou do elenco

Participou do elenco o usineiro e ex-deputado federal, José de Paiva Gadelha apresentado como um dos homens de negócios mais bem sucedidos da região.

Por Diário do Sertão

30/09/2016 às 08h53 • atualizado em 30/09/2016 às 08h56

Filme destaca a cidade de Sousa (foto: Charley Garrido)

O filme o país de São Saruê é um documentário do cineasta e documentarista brasileiro de origem paraibana, Vladimir Carvalho. Filmado na Fazenda Acauã – oeste da Paraíba; PE; RN e CE. Participaram do elenco o usineiro e ex-deputado federal, José de Paiva Gadelha apresentado como um dos homens de negócios mais bem sucedidos da região, o líder político, ex-prefeito de Sousa e ex-governador da Paraíba, Antônio Mariz, Pedro Alma – pioneiro do ouro, Zeca Inocêncio, ex-garimpeiro e o ativista social e membro do programa de ajuda humanitária do Peace Corps, Charles Foster.

Uma estória baseada no poema Viagem a São Saruê do poeta guarabirense, Manuel Camilo dos Santos. Produzido em 1971. Música de Ernesto Nazareth; José Siqueira; Luiz Gonzaga e Marcus Vinicius. Em 1979, com o processo político chamado de Abertura, pela ditadura militar, o filme O País de São Saruê é liberado do “cárcere” onde se encontrava e é recebido calorosamente pela crítica e pelo Festival de Brasília, ganhando o prêmio especial do júri.

abdias-duque-de-abrantesPrimeiro documentário em longa-metragem do cineasta Vladimir Carvalho (1935). A filmagem, iniciada em 1966, graças ao apoio do politico Antônio Marques da Silva Mariz, prefeito de Sousa- Paraíba, é interrompida pelas chuvas no Vale do Rio do Peixe, que altera a esperada paisagem de seca da região. Com o acréscimo de novas gravações efetuadas no ano seguinte, monta-se uma primeira versão, ainda em 16 mm e com cerca de 50 minutos. É exibida em 1968 no Rio de Janeiro e no Festival de Viña del Mar, com o nome de O Sertão do Rio do Peixe.

Com efeito, contrário aos documentários tradicionais, sua abordagem do homem nordestino não é antropológica ou folclórica. Além do registro do cotidiano de trabalho explorado e das manifestações culturais dos sertanejos, desenvolve também uma narrativa política que interliga a realidade da miséria crônica com o mito de uma almejada terra de abundância.

Essa narração, com ressonâncias pedagógicas de reportagem ou resvalando para a ficção, constrói uma “polifonia, uma técnica compositiva que produz uma textura sonora específica, em que duas ou mais vozes se desenvolvem preservando um caráter melódico e rítmico individualizado” visual e sonora, na qual mescla-se a narração clássica do dramaturgo Paulo Pontes (1940-1976). O documentário contém dados econômicos e históricos, músicas de apoio, o som gravado de entrevistas em emissoras de rádios locais que, às vezes, simula captação direta e a leitura declamada de um poema. O equivalente visual é encontrado na fotografia de negros e brancos bem destacados, a lembrar a xilogravura do folheto de cordel.

Há três séculos as terras secas da região Nordeste foram conquistadas à grande nação dos índios Cariris pelos bandeirantes e colonos. Distantes do Litoral, estabeleceram as primeiras fazendas de gado, desenvolvendo uma cultura pastoril e agrícola. Após um grande desenvolvimento, gerando um período de fausto, essas fazendas, caracterizadas pelo regime de senhores e servos, estagnaram-se economicamente. Com o início de um novo ciclo econômico, o do ouro em Minas Gerais, essas regiões foram abandonadas, mas seus proprietários deixaram atrás de si um imenso potencial de riqueza ainda inexplorado. Trezentos anos depois, essas terras permanecem tal como foram deixadas pelos seus pioneiros ocupantes. À custa de muitas lutas, os novos colonos tentam nelas sobreviver.

Documentário apoiado em entrevistas com sertanejos, líderes políticos e empresários nos sertões da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará.

Os primeiros passos foram dados em 1966, quando o cineasta Vladimir Carvalho, filmou algumas cenas da cidade de Sousa-PB, a pedido do então prefeito Antônio Mariz. O País de São Saruê é uma versão maior, mais profunda, mais bela ainda, do Sertão do Rio do Peixe, concluído em 1968 e praticamente rodado naquela cidade. Entre os objetivos de Vladimir Carvalho, esteve o de mostrar as contradições do homem do campo a partir das lições colhidas com a existência das Ligas Camponesas, organizações de camponeses formadas pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) a partir de 1945.

Foi um dos movimentos mais importantes em prol da reforma agrária e da melhoria das condições de vida no campo no Brasil. Elas foram abafadas depois do fim do governo de Getúlio Vargas e só voltaram a agir em 1954, inicialmente no estado de Pernambuco, e posteriormente na Paraíba, no Rio de Janeiro e em Goiás. A partir daí, as Ligas Camponesas exerceram intensa atividade até a queda de João Goulart, em 1964. O mais conhecido líder do primeiro período foi Gregório Lourenço Bezerra e do segundo, Francisco Julião Arruda de Paula.

Artesanal, o filme foi realizado num clima de documentar a dura realidade do campo. Só posteriormente, já com os elementos influenciadores do mundo de cordel, é que ganhará os toques poéticos que o marcam definitivamente quase na fase final de sua montagem – com a adição do material rodado entre 1969 e 1970. Concluído em 1971, e apesar de recebido com euforia, foi vetado pelo governo “por ferir a dignidade e os interesses nacionais”. E só voltaria a ser exibido em 1979.

O filme começa com a ocupação das terras e o primeiro ciclo econômico: no chão pedregoso da caatinga, desenvolve-se a criação de gado, que estimula, no plano cultural, a dramatização folclórica da morte do boi.

Exemplificada pela fazenda Acauã, a opulência mal distribuída impede o desenvolvimento harmonioso, apesar do núcleo urbano de Sousa ostentar sinais de progresso ao longo do tempo.

Um novo ciclo de riqueza, baseado na plantação de algodão, “o ouro branco do sertão”, para suprir o mercado externo, não altera a vida do sertanejo pobre, submetido ao regime feudal da meação. Usinas de processamento da matéria-prima garantem a ascensão de outras famílias, entre as quais a do usineiro e ex-deputado federal de Sousa-PB, José de Paiva Gadelha (1916-1983), empresário e político que, no primeiro depoimento do filme, reconhece as dificuldades do homem do campo e enumera benemerências sociais.

O usineiro Zé Gadelha emprestava dinheiro para que os produtores de algodão da região de Sousa fornecessem o produto para sua usina. Um dos grandes produtores e compradores de algodão da região era o saudoso agropecuarista Assis Barbosa, amigo e fiel escudeiro de Zé Gadelha.

O usineiro José de Paiva Gadelha é indagado a respeito das condições do homem do campo na região sertaneja, e se posiciona em aparente defesa destas populações, demonstrando toda a sua preocupação com os habitantes de Sousa. Declara, de modo geral, que se trata de “uma gente desprotegida dos poderes federais, estaduais e municipais”, que não recebe ajuda do governo, vivendo subjugada aos bancos. O fato de ser uma gente pobre e endividada, para ele, deve ser brevemente solucionada, para isso bastando que se conceda crédito financeiro a ajuda de um modo geral ao homem do campo.

Na feira popular de Sousa, alto sertão da Paraíba, onde se destacam vasilhas reaproveitadas de produtos multinacionais, associa-se a vassalagem das usinas nacionais ao esquema econômico assenhoreado pelas empresas estrangeiras. Um segundo depoimento, o de Charles Foster (1828-1904), do programa de ajuda humanitária do Peace Corps, relata seu trabalho de integração com a comunidade, de discussão dos problemas sociais e compensação distributiva de doações provenientes dos Estados Unidos.

Abre-se o terceiro exemplo sobre riqueza e decadência que caracterizam a região, ao mesmo tempo em que se esclarece o título do documentário. Segundo a imaginação de um poeta popular, São Saruê é um país imaginário, utopia de uma região abundante. Dois velhos garimpeiros, Pedro Alma e Zeca Inocêncio, rememoram as promessas de prosperidade quando da descoberta de um filão de ouro. Enquanto isso, as imagens mostram as ruínas de uma cidade quando o trabalho de mineração é impedido. Permanece a esperança na figura de Chateaubriand Suassuna, visionário que esquadrinha suas terras em busca de urânio e outros metais de valor.

O último depoimento é do então prefeito Antônio Marques da Silva Mariz, que já havia sido petebista (varguista) e vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) e que expõe a permanente dependência do povo pelas autoridades públicas, por conta dos flagelos climáticos e econômicos. O político Antônio Marques da Silva Mariz justifica o subdesenvolvimento do sertão pela estrutura fundiária. A uma estrutura agrária perversa associa-se a seca e a enchente.

O político Antônio Mariz expõe o que acredita ser as causas dessa mesma pobreza: “Praticamente não se nasce, não se sofre, não se morre sem que a prefeitura intervenha. Parece curioso isso, mas não é mais que o retrato da realidade. Ao nascer é batizado, é o registro civil. Ao adoecer é o remédio. Ao morrer é o caixão em que se vai enterrar. Tudo se vai pedir à prefeitura. Mas esse pedir permanente não revela ociosidade nem aversão ao trabalho como poderia parecer aos mais rigorosos ou intolerantes. É antes a imagem da pobreza regional que não decorre nem da natureza, nem do temperamento, nem da formação do povo. Mas que é fruto de longos erros acumulados na forma de explorar a terra, na forma de criar e distribuir riquezas. Muitos pensarão à primeira vista que o problema do nordestino é só o problema da seca e raramente o problema das enchentes. Mas longe da seca e da enchente, muito mais grave, é o problema da estrutura agrária […]”, disse Antônio Mariz.

O documentário constrói a nível estético as oposições exploração e justiça e riqueza e miséria. O filme exibe os problemas sociais enfrentados na região nordeste. Aborda a questão da produção de algodão e sua exploração por latifundiários locais e a penosa situação de camponeses que buscam outras formas de subsistência como a caça em tempos de seca. O conflito de interesses entre o trabalhador rural e os grandes proprietários das usinas, nesta ocasião, parece não provocar uma reação ou embate da parte desprivilegiada, a dos camponeses.

O documentário coteja algumas questões que seriam supostamente fundamentais para compreender a reprodução insistente da condição de miséria do trabalhador rural nordestino. Sua história, já marcada pela injustiça, pela seca e pela exploração.

DIÁRIO DO SERTÃO com o jornalista Abdias Duque de Abrantes

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